sábado, 22 de novembro de 2008

Em Linhares, singela cidade do norte do ES, acontecia um carnaval fora de época chamado Micarense. Peguei a época em que essas coisas ainda eram nas ruas, espaços democráticos de alegria popular e, se nao havia as cordas e abadás de hoje, já havia algo que unia a todos e permanece até hoje: uma grande e única tênue linha unindo todas as pessoas presentes.
No ano de 96, houve várias idéias geniais que terminaram de modo fatidico, como Marcelão montando no meu ombro e quebrando meus óculos ou o brinco de pau brasil e coco (presente de grego que me inflamou a orelha por tres semanas) que ganhei da hippie que me deu uns beijos pra me levar embora um garrafão de vinho, mas nada se supera ao Chefe tentando subir no trio elétrico que passava.
Entendamos: ele estava cheio. Cheio de graça pra uma mocinha até interessante que achava o máximo andar com os pinguços da odonto e cheio de uísque na mente. Num determinado ponto, ele decidiu por fazer graça pra ela mandando um tchauzinho do alto do trio elétrico. Ela se sentiria A garota do rock e ele conquistaria seu coração. Brilhante, né? Nem tanto...
Fui convocado pra ser o brother da vez com ele ali. Também achei genial, dado que o Chefe conhecia geral e sempre foi muito bem relacionado, e podia até dar certo e eu ia se dar-se de bem na aba.
Descemos da casa onde estávamos e metemos o pé pra trás do trio, onde havia uma portinha. E um armário. E o armário atendia pelo singelo codinome de Negão. E tinha um porrete de jacarandá carinhosamente conhecido por Godofredo, o espanta-corno.
O Chefe se aproxima do armário e propõe a subida. "Desenrola aí, brother... Eu e meu chegado ali somos legais pra caramba. Libera, brother..."
Negão era impassível. Digno da guarda da rainha da Inglaterra. Mas toda paciencia tem limites. E quando a dele chegou ao fim, ele meteu a mão no peito do Chefe. Mas o Chefe sempre foi safo. Já estava com um pé no primeiro degrau de subir no trio e braço dado com uma barra de metal. Isso fez com que o empurrao do Negão tivesse o mesmo efeito que o tapa de uma criança num João Bobo.
Ainda da rua, eu falei pro Chefe: "- Bicho, larga mão disso, bora voltar pro rock lá na varanda de fulano". E ele me pedia calma, que já tava quase saindo nosso passaporte para a glória eterna do rock, porque ELE SABIA O QUE ESTAVA FAZENDO.
Após insistir mais algumas vezes, abortei a operação. Menos de 30 segundos depois, um conhecido em comum me avisa:

"-Aê, teu chegado tá mal ali atrás...

Maldição! Era o Chefe!!
Cambaleante, parecia meio bêldo. Bom, ele tava chapado desde cedo, era fato. Mas tava diferente. Mãos na cabeça, olhos fechados e dentes cerrados. Cheguei perto e "Brother, tu tá legal?". Ao sentir um braço escorando, ele se apoiou em meu ombro e senti o sangue me sujando a camisa e largou o peso. Olhei pro simpático Negão, que ostentava o Godofredo com garbo, elegância e estilo e anunciava aos berros:

- TEM MAIS PLAYBOY QUERENDO SUBIR AQUI, TEM?!?!

Peguei o Chefe, carreguei no meio do povo até um carro da Guarda Municipal e implorei para que nos levasse até um posto de saúde onde ele pudesse ser atendido.

Dentro do carro:

Chefe: Paulão, isso aqui vai dar merda, nao vai?
Paulao: Nada, cara. Voce sabe que cabeça sangra pra caralho.
Guarda veado: Ó, toma cuidado pra nao me sujar o banco, tá?


veado é foda...

C: Bicho, jura pra mim que nao vai dar merda...

saco...

P: Vai dar nada nao, cara. Relaxa...
C: Cara, promete uma coisa pra mim...


fodeu...
C: Se acontecer alguma coisa comigo, cara, promete que voce vai matar aquele filho duma puta!!!!

Corta.
Cenário: plena selva vietnamita, chove torrencialmente, eu e ele vestidos como boinas verdes. Ele, meu companheiro de aventuras e irmão de armas, morre em meus braços por uma armadilha traiçoeira de vietcongues. Eu puxo uma faixa vermelha e amarro na testa e berro par a chuva: VINGAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAANÇAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!
Voltamos à programação normal.

Chegamos no hospital e o cheiro de éter associado à cachaçada começaram a me dar um sono ferrado. O veado do Chefe se deu bem, porque ganhou o telefone da enfermeira, pontos na cabeça e uma ampola de soro glicosado, o que significava que ele estava perigosamente sóbrio de novo. Ah, e com um curativo de faixas que o deixou com a aparencia de um, digamos, pênis não postectomizado (vulgo "pirú sem fimose").
O Guarda Jujú que nos deu carona deixou o Chefe em casa e me largou de volta no rock, mas eu já tava sem pilha. Os brothers restantes no rock foram parceiros pra caramba e me animaram. "Bora lá pra cima, cara! O rock aqui acabou, mas lá na praça o bicho pega!!". Massa! "Coisas boas acontecem com gente boa", pensei. "E às vezes até acontecem comigo!".
Duas esquinas mais pra cima, uma buzina insistente e uma cabeça de cacete falante berra de dentro do carro:

-AÊ!!! BORA LÁ PRA CIMA TOMAR UM MONTE DE GELADA! O PAU TÁ QUEBRANDO LÁ NA PRAÇA!!

Eu juro que se o Godofredo estivesse por perto, eu terminava o serviço mal-feito que o Negão começou.

MORAL DA HISTÓRIA: Nunca, em tempo algum, socorra um bebum - mesmo amigo - e dispense o soro glicosado e o porrete Godofredo.

2 comentários:

Lele Rizzo disse...

Nunca fui ao micarense.Mamãe não deixava

Anônimo disse...

Este fato, sem dúvida, foi um marco nas nossas reuniões público-etílicas, mas, infelizmente, contribuiu para o surgimento de uma geração se hoje se acovarda e raramente pratica esta milenar modalidade de escalar trios, camarotes, varandas festivas e afins. É uma pena, Chefe!